Avaliação do Reuni na UFRJ: documento da assembleia da Adufrj realizada em 09/01/2008

A avaliação do processo de implementação do Programa de Reestruturação e Expansão-UFRJ realizada em reunião conjunta do Conselho de Representantes e do Grupo de Trabalho Política Educacional da Adufrj-SSind (18/12/07 e 03/01/08), examinou os documentos “A universidade necessária, programa de reestruturação e expansão da UFRJ (2008-2012): um projeto para o Rio de Janeiro e para o Brasil”, publicado pela reitoria em agosto de 2007, “Plano de Reestruturação e expansão da UFRJ: Proposta de Resolução” e “Resolução no 9/2007”, votada no Consuni de 25/10/07. O exame destas proposições, em conjunto com os demais instrumentos de política governamental para a educação superior, evidencia que a reestruturação da UFRJ está inserida em um contexto mais amplo de conversão das universidades públicas federais brasileiras em organizações de ensino terciárias. Essas orientações têm suas raízes nas medidas governamentais para a educação superior de Cardoso (reforma do Estado) e Lula da Silva (Prouni, Universidade Nova (UN), Reuni, Inovação Tecnológica, parcerias público-privadas) e possuem forte similaridade com as proposições bancomundialistas difundidas na América Latina.

O exame do documento matriz da reitoria divulgado em agosto de 2007, “A universidade necessária, programa de reestruturação e expansão da UFRJ (2008-2012): um projeto para o Rio de Janeiro e para o Brasil”, permite concluir que a reitoria da UFRJ incorporou, como seu, o projeto UN.

Entre as convergências do documento de referência da reitoria com a UN, sobressai o objetivo de assegurar um forte aumento do número de estudantes na UFRJ, reduzindo acentuadamente o custo-estudante/ ano. No caso do Reuni, a meta é reduzir este custo a perto da metade do custo atual. Assim, a expansão dar-se-ia sem o correspondente aumento das verbas. E, para isso, a UN, o Reuni e o projeto-matriz da UFRJ pressupõem modalidades de graduação diferenciadas.

No caso do projeto da UFRJ, a meta original era dobrar o número de estudantes da graduação e de pós-graduação, valendo-se, também, da criação de cursos semipresenciais (em consórcio do Cederj para formação de professores) e, no segundo módulo, por meio de programas de aceleração da graduação e maior oferta de disciplinas semipresenciais e, finalmente, no terceiro módulo, por meio da abertura de cursos de terminalidade breve. A reitoria preconizou, também, a introdução de mudanças curriculares, objetivando maior flexibilidade de currículos que propiciasse ampla mobilidade estudantil. Desde o primeiro módulo, a flexibilidade curricular envolve maior carga horária fora da sala de aula, atrelamento dos cursos ao mercado de trabalho e uso de estratégias como ciclos básicos e a criação de formas de integração curricular (denominadas de flexibilização curricular, transdisciplinaridade e interdisciplinaridade) nos moldes dos bacharelados interdisciplinares defendidos pela Universidade Nova.

Entre as metas para a pós-graduação, sobressai o objetivo de duplicar o número de estudantes de mestrado e doutorado, pensados, no projeto, possivelmente como tutores para o ensino de graduação.

Objetivando a flexibilização curricular e a criação dos cursos de terminalidade breve em curto intervalo de tempo, o projeto-matriz previa substantivas mudanças institucionais na UFRJ, como a fusão dos colegiados superiores e a extinção de departamentos.

O exame da infra-estrutura para a expansão evidencia que a meta da reitoria no referido projeto era a consolidação do campus do Fundão, por meio da concentração exclusiva dos recursos na Cidade Universitária e da estagnação dos demais campi. O contrato de professores para a referida expansão estaria limitado a um teto de 500 novos docentes. Mesmo preliminarmente, chama a atenção que para atender ao seu conjunto de estudantes da graduação e da pós-graduação, a UFRJ dispõe de um pouco mais de 3,1 mil docentes. Dobrar os 33,3 mil estudantes de graduação e os 9,6 mil estudantes de pós-graduação stricto sensu com apenas 500 novos professores – ainda que preferencialmente em regime de DE – somente seria possível por meio de cursos aligeirados e uso intensivo de educação a distância. As metas de novos recursos, R$ 160 milhões em cinco anos, também merecem estudo mais detalhado, considerando a péssima situação de infra-estrutura da UFRJ e o vulto de suas dívidas que somam mais de R$ 52 milhões.

A apresentação desse documento pela reitoria provocou muitas reações contrárias da comunidade universitária, tanto entre os docentes, como no movimento estudantil. Um conjunto de unidades da Praia Vermelha se mobilizou propondo uma expansão em outras bases. O movimento estudantil autônomo promoveu um ato-ocupação no Consuni, conquistando o compromisso da administração de convocar audiências públicas. Entretanto, as diversas críticas não demoveram a administração em seu posicionamento estratégico de implementar os fundamentos da UN – os cursos de terminalidade breve, os bacharelados interdisciplinares e os cursos a distância, como evidenciado no documento submetido à deliberação do Consuni em 18/10/07.

A votação da referida Proposta de Resolução no Consuni provocou fortes tensões na UFRJ. Os docentes, estudantes e técnico-administrativos engajados no movimento da Praia Vermelha manifestaram o seu desacordo com as bases da proposta da reitoria, com os procedimentos de discussão e deliberação e defenderam uma proposta radicalmente distinta de expansão das matrículas da UFRJ, propondo, ainda, encaminhamentos referentes a autonomia e o financiamento. A Faculdade de Letras, igualmente, reafirmou o seu projeto institucional, recusando abertamente os termos do PRE-UFRJ. Os estudantes autônomos, por sua vez, empreenderam forte mobilização na referida sessão do Consuni de 18/10/07. Em um ambiente profundamente inapropriado para uma votação de tal relevância, a reitoria deu por concluída a votação. A Adufrj-SSind alertou que a confirmação desse quadro poderia provocar conseqüências sumamente graves para a UFRJ, tanto pelo conteúdo, como pelos procedimentos estranhos ao ambiente acadêmico1. A Diretoria da Adufrj-SSind externou à reitoria as suas preocupações em relação aos desdobramentos da votação, manifestando, por meio de documento, as suas preocupações com os termos da Proposta de Resolução2.

O conjunto das mobilizações provocou mudanças no texto originalmente votado. A versão aprovada em 25 de outubro, doravante denominada de Resolução, contém algumas mudanças3 que, entretanto, não bloqueiam o aprofundamento da contra-reforma em curso. A nova redação não confere caráter resolutivo aos cursos de graduação de terminalidade breve, aos bacharelados interdisciplinares (BI) e aos cursos a distância, mas eles podem ser retomados nos módulos II e III a partir de meados de 2008. Longe de impedir a continuidade das medidas que configuram o projeto UN/Reuni, a versão aprovada não exclui a possibilidade de implementação posterior das mesmas propostas dos documentos anteriores com o objetivo de cumprir as metas fixadas pelo Reuni.

Por conseguinte, na frente interna, é preciso não perder de vista que muitas das medidas que possuem afinidade com o Reuni/UN – inclusive provenientes de unidades – terão de ser examinadas e deliberadas nos conselhos acadêmicos nos departamentos, nas unidades, nos centros e no CEG. O movimento docente não poderá se furtar de empreender uma ação política sistemática, qualificada e protagônica, em termos de construção de alternativas a favor da universidade pública também nesses colegiados que, por isso, estarão diante de extraordinária responsabilidade.

Outro problema é o quantitativo de professores demandado pela Resolução. Mesmo um estudo preliminar confirma que o quantitativo de 400 docentes em quatro anos está significativamente abaixo das reais necessidades da UFRJ. As demandas reprimidas da instituição – expressas nas solicitações de professores substitutos, 755 para 2008 –, o reduzido número de vagas para novos docentes efetivos atribuídas pelo MEC às Federais e à UFRJ em particular (60 vagas), corroboram as preocupações com o modelo de expansão em curso nas IFES.

Ademais, os recursos previstos na Resolução, exíguos, dificilmente serão confirmados, em virtude do congelamento das despesas correntes da União previstas no PAC e dos recentes cortes anunciados pelo Executivo. Os recursos anunciados para a UFRJ em 2008, por exemplo, são 30% inferiores aos solicitados ao PRE-UFRJ. Assim, a instituição está se comprometendo com metas de expansão, mas, como já alertado pelo Andes-SN, não há um inequívoco compromisso do governo Federal com as (modestas) contrapartidas previstas no Decreto 6069/07.

Esse quadro adverso não pode ser revertido apenas por lutas pontuais dos docentes, técnico-administrativos e estudantes, visto que é um projeto estratégico dos setores dominantes do país. Contudo, a ampliação do arco de forças e a mobilização ativa da comunidade acadêmica, dos movimentos sociais, dos sindicatos autônomos e das demais forças sociais comprometidas com a educação pública requer uma agenda em defesa da reforma genuína da universidade brasileira.

Atualmente, as matrículas das universidades públicas não ultrapassam 3% dos jovens de 18-24 anos. As políticas educacionais e, particularmente, as de acesso à universidade pública, não estão sendo capazes de reverter uma meritocracia característica de um falso universalismo liberal. Internamente, é urgente a luta pela garantia de condições que permitam a ampliação do ensino noturno. Na UFRJ por exemplo, apenas 10% dos estudantes cursam o período noturno. A assistência estudantil é débil e para poucos. Os docentes estão sobrecarregados, mal remunerados e trabalham, em sua maioria, em precárias condições. E até mesmo a atividade fim da universidade, a produção e a socialização do conhecimento, está afetada pelo fato de que grande parte dos projetos é intermediada por fundações privadas ditas de apoio, submetendo o que é dado a pensar aos imperativos privados.

Além disso, as tentativas de expansão e reestruturação de cursos que já vêm ocorrendo acentuam a falta de recursos para a manutenção da infra-estrutura física atual existente e, de forma mais dramática, para os investimentos adicionais que seriam necessários. A falta de recursos humanos também tem sido suprida de forma precária, com o aumento da carga de trabalho dos docentes do quadro permanente, a contratação de professores substitutos e, cada vez mais, o uso de alunos de pós-graduação (e até da própria graduação) como tutores em cursos de graduação. Exemplo deste problema se dá na interiorização da UFRJ, onde mesmo em propostas mais discutidas como nos cursos de Biologia, Química e Farmácia em Macaé, a falta de professores efetivos é um fato, pois os poucos concursos que ocorreram não suprem a demanda das novas turmas criadas, forçando os Departamentos responsáveis no Rio de Janeiro a solicitações de substitutos e na discussão de remanejamento de professores do Rio para Macaé, o que é muito prejudicial para a implantação/continuidade destes cursos (se forem baseados em substitutos) ou aumenta ainda mais a carga de trabalho dos professores efetivos.

Em suma, a universidade pública precisa ser reformada e uma reforma real somente será protagonizada pelos sujeitos que compreendem que a instituição é estratégica para romper com a condição capitalista dependente e com a heteronomia cultural. Por isso, é preciso ter uma agenda que permita a agregação desses sujeitos na luta pela educação pública de qualidade.

Por tudo isso, internamente, na UFRJ, o desdobramento da luta contra o Reuni/PRE, num primeiro momento, deve fazer a crítica a duas questões: os prazos para a discussão e a metodologia ou dinâmica em que a mesma deve ocorrer. O prazo de oito meses aprovado na Resolução, já em si mesmo exíguo para o debate a que se propõe, mesmo que ocorresse sob condições ideais, na verdade, já estará reduzido à metade no reinício das aulas, em março de 2008, quando, de fato, haverá condições objetivas para iniciar o processo. Isso inviabiliza, a priori, uma discussão ampla, qualificada e do porte necessário para alcançar o objetivo proposto, a reestruturação acadêmica e administrativa da universidade.

De modo análogo, a metodologia institucional de discussão adotada até aqui, composta principalmente das chamadas de audiências públicas e de debates em sessões de Conselhos e Órgãos Colegiados, mostrou-se muito limitada e pouco representativa da vontade do coletivo acadêmico, com forte tendência a reduzir o leque de alternativas e à endogenia, reproduzindo, na maioria dos casos, as propostas originais oficiais, eventualmente incorporando alterações secundárias. Estas limitações se ampliaram com a inexistência da aplicação de mecanismos de consulta ou de discussão com seus representados por parte da maioria dos conselheiros dos órgãos superiores da universidade.

Por parte da Adufrj-SSind é urgente repensar a forma de organizar a discussão nos departamentos, unidades e centros, de modo que os professores, estudantes e técnico-administrativos tenham condições de manifestar suas opiniões, de proporem alternativas e de contribuir para a avaliação e a oportunidade da implantação das mudanças que estão em pauta e que poderão afetar profundamente o exercício de suas atividades na instituição e o próprio caráter delas, de modo permanente. Não é razoável que transformações de tal envergadura sejam deliberadas com base em discussões superficiais, cumprindo apenas formalidades.

Assim, para promover a maior participação dos docentes, a Adufrj-SSind se propõe a organizar e participar de reuniões e visitas às unidades visando resgatar as necessidades de cada local e catalisar a organização de um movimento em defesa da universidade pública, assim como a efetivar as seguintes iniciativas:

  • publicação e análise das propostas das unidades no Jornal da Adufrj-SSind, com a criação de uma seção específica ou encartes especiais durante o período de debate;
  • ampliação dos espaços eletrônicos, com a criação de listas, blogues e páginas de referência para a discussão, a participação dos docentes e a formação de um repositório ágil e centralizador de documentos sobre a UN/Reuni/PRE;
  • organização de um ciclo de palestras, debates e seminários temáticos;
  • organização de reuniões, estudos, eventos e mobilizações com entidades sindicais e acadêmicas representativas da educação e da área de C&T, com movimentos sociais, estudantis e demais setores representativos dos trabalhadores, objetivando a consolidação de agendas e jornadas unificadas de lutas em prol da educação pública.

Texto aprovado na Assembléia Geral da Adufrj-SSind no dia 9/1/2008


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